psicopedagogia

Como motivar a criança que tem dificuldades na leitura

Imaginem este cenário nas vossas vidas de adultos:

Imaginem que têm de ir todos os dias para o vosso trabalho. Imaginem que todos os dias, têm de fazer tarefas que não conseguem executá-las bem. O patrão explicou-vos como executar as tarefas e vocês simplesmente, não conseguem. O patrão repete como se faz e vocês continuam a não fazer bem. Vocês começam a ficar frustrados, aborrecidos. O patrão começa acusar-vos de falta de empenho e dedicação. Começam a ser comparados ao colega que executa na perfeição as tarefas que o patrão mandou fazer. Vocês começam a ficar para além de frustrados, tristes e com sentimentos de inutilidade, com sentimentos de “eu não sou bom, eu não presto”. Começam a duvidar das vossas capacidades, pois os dias, semanas, meses, passam e vocês continuam a não conseguir executar as tarefas como os restantes colegas de trabalho. Mas vocês, não podem mudar de emprego! São obrigados a continuar a trabalhar nessa área. E depois ainda levam para casa as tarefas que não terminaram no trabalho, ou levam para casa tarefas para “treinar” até conseguirem fazer bem. Vocês chegam a casa e a frustração prolonga-se. Começam a ficar irritados com todos lá em casa, começam a ter comportamentos que nunca antes tiveram, simplesmente porque não estão a conseguir lidar com tamanha frustração, stress e ansiedade que o trabalho está a fazer-vos sentir.  Apetece gritar, chorar, dizer que não querem ir para o trabalho, quando acordam de manhã. De repente, começam adoecer, a perder o apetite ou a comer compulsivamente, começam a ter problemas em dormir, começam a ter dúvidas existenciais profundas acerca daquilo que vocês são. Começam a deprimir. Começam a pensar “porque não consigo fazer o raio das tarefas bem?” E há dias que chegam ao trabalho com toda a força do mundo a pensar “hoje vou conseguir” e no fim do dia, o patrão chega ao vosso lado e diz ” ok. mas ainda não está como é suposto”. E vão para a casa com a sensação de vazio, de incompreensão, de dor no coração por saberem que estão a dar o máximo que conseguem, mas ninguém vê. Aí vocês simplesmente desistem. Vão para o trabalho e simplesmente não fazem o que o patrão vos pediu. Não querem. Estão cansados. Respondem torto e chegam a ser mal educados. São castigados. Como castigo, vocês têm de ficar na vossa sala de trabalho, sem puderem ir arejar a cabeça nos intervalos da manhã e da tarde. Nesse dia vão para casa a pensar “Odeio o trabalho, o patrão e os colegas que lá estão. Odeio. Odeio.” Continue reading “Como motivar a criança que tem dificuldades na leitura”

psicopedagogia

Aos Pais e Professores de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem

Quando iniciei o meu trabalho como psicopedagoga (decorria então o ano de 2005), tinha uma missão dentro de mim: ajudar todas as crianças com dificuldades de aprendizagem que chegassem até mim. Tinha saído da faculdade em 2004 e muito certa que era com e na criança, que toda a minha energia devia ser despendida, até que a mesma melhorasse.

Com a prática, verifiquei o quão sofrida e desamparada era a criança que chegava até mim. Conseguia ler só pelos olhos dos miúdos, a angústia que traziam e a incompreensão de ninguém os entender. Crianças que me chegavam com rótulos de pais e professores de preguiçosos, falta de estudo, falta de regras, incompetentes, desatentos, imaturos, infantis.

E com cada criança, interiorizava que a iria salvar. “Tu vais melhorar, confia em mim”, dizia eu. E batalhava com ela as dificuldades que travava com as letras e os números. E as conquistas iam acontecendo, os avanços iam-se fazendo e a esperança ganhava uma nova forma: “Afinal, eu sou capaz”.

Mas nem todas as crianças tinham o mesmo avanço, nem todas as crianças tinham o mesmo carácter, nem todas as crianças tinham a mesma rede de suporte, nem todas as crianças tinham a mesma motivação. E comecei a perceber, que eu estava demasiado focada na criança.

Estava focada em melhorar a criança. Estava focada no problema neuro biológico. Estava focada nas questões emocionais da criança. E era NA criança que eu me debruçava.

Percebi então, que a criança dependia, para além da minha ajuda, da aceitação. Da aceitação na escola e em casa. Da aceitação da criança que era: uma criança com dificuldades para ler, uma criança sensível ao que lhe diziam, uma criança que queria brincar em vez de fazer os trabalhos de casa, uma criança que não gostava da escola, uma criança que precisava de ser ouvida.

E foi aí que a luz me chegou. Independentemente do apoio psicopedagógico que a criança teria comigo, era crucial trabalhar com os pais e com o professor. Desmistificar, acalmar, dar estratégias e acima de tudo, escutar.

Escutar uns pais cheios de culpas, cheios de medos, cheios de crenças, cheios de expectativas que não correspondiam ao filho que tinham à frente.

Escutar um professor cheio de crenças, cheio de expectativas, cheio de defesas em que tinha dificuldade em apoiar, numa sala cheia de alunos, crianças com dificuldades específicas de aprendizagem.

E então comecei o meu caminho. E o meu caminho com cada criança, passava por amparar, escutar, abraçar, apoiar cada pai e professor de cada criança que eu acompanhava.

Enquanto escrevo isto, apetece-me chorar. Chorar pelo que de bom acontecia aos pais e à criança, quando aceitavam o filho que tinham. Quando desconstruíam mitos e crenças. Quando ajustavam as suas expectativas. Quando se sentiam informados.

A motivação na criança é uma coisa fantástica. Está directamente relacionada com o quanto os educadores à volta dela, acreditam nela. Está directamente relacionada com a aceitação que os adultos à volta dela, fazem. Está directamente relacionada com o vínculo emocional que os adultos à volta dela, estabelecem com ela.

Não é matemática. É amor. A conjugação de todos os factores que levam uma criança a melhorar na escola, é o amor. O amor que cada adulto deposita nela e confia.  E milagres acontecem. Porque fomos nós adultos que mudamos e aceitamos, primeiro.

Eu tinha medo de ser mãe. Não, pelo facto de não ser capaz. Mas por perceber que o peso das crenças e mitos, da falta de informação, perante uma adversidade (num contexto de aprendizagem escolar), me iria dar luta. E tinha medo de falhar, claro!

Mas de onde vinham estes meu medos? De onde vinham estas minhas crenças, inseguranças, do que era suposta ou não, ser enquanto mãe? Complicado, não é? Esta necessidade de provar, que estava enraizado no meu inconsciente. Muito provavelmente por trabalhar na área da psicopedagogia e não poder falhar. Por ter medo de não ser a perfeição. Por ter medo de levar com a dúvida e ambivalência que é a parentalidade.

Que tola.

Ser mãe foi o que de melhor me aconteceu na vida. E sabem porquê? Porque me fez procurar saber o que é isto de educar um filho, fez-me questionar as MINHAS crenças, as MINHAS expectativas. Fez-me questionar que tipo de mãe eu queria ser. E está a ser extraordinário, este processo de desconstrução e reconstrução pessoal.

A parentalidade é dos temas (senão O tema) que mais controversa traz entre as pessoas, porque traz o que temos de mais profundo: as nossas convicções, crenças, tipo de educação que tivemos, provações, medos, expectativas, mas acima de tudo, porque é pelos pais que somos, que ajudamos a construir o futuro de amanhã.

Sejam bons convosco. Baixem as armas. Respirem. Informem-se. Aceitem. E sigam o vosso caminho de forma informada e consciente.

 

Vera Oliveira

 

psicopedagogia

Recomeços Escolares – Setembro… Um mês para amar ou odiar?

Quando as aulas terminaram em Junho, muitas crianças e pais descansaram tendo ficado satisfeitos com os resultados escolares finais. Em Setembro, irá surgir a alegria de voltar novamente à escola para rever os amigos e aprender mais coisas boas (para as crianças) e, para os pais irão surgir as preocupações normais: comprar material escolar, eventualmente acontecer uma mudança de escola com a mudança de ciclo e voltar à rotina de sempre.

Porém, existe uma fasquia considerável de crianças e pais que vivem dilemas acrescidos. No final de ano que passou, alguém ficou retido, alguém passou mas com dificuldades na leitura ou escrita ou aritmética, alguém passou com uma ou outra negativa que persiste.

No ano lectivo que passou, alguém teve muita dificuldade para aprender, pouca motivação para estudar e muita frustração por não conseguir alcançar o pretendido. Muita dificuldade para estar atento, para fazer os trabalhos de casa, muito choro para não ir à escola. Muitas chamadas de atenção do professor, algumas reuniões a alertar para as dificuldades que se manifestavam no aluno.

O mês de Setembro, não trará grandes alegrias para esta criança que volta à escola, nem para os pais angustiados que consideram que o seu filho não gosta de estudar e nada conseguem fazer para o mudar.

“É preguiçoso”, “Não gosta de estudar”, “Porta-se mal na sala de aula”, “Perturba a dinâmica da sala de aula”, “Tem que estudar mais”, “Não tem métodos de estudo”, “quando quer até lê bem”, “Quando está atento, consegue fazer bem à primeira”, “Já o coloquei em explicações, mas nem assim”,… Poderia continuar num sem fim de frases que pais e crianças ouvem, que têm dificuldades de aprendizagem.

Para os pais que se identificam com estes discursos e que vivem momentos de angústia, por não saber o que fazer pelo seu filho que tem dificuldades em aprender, tenho algumas coisas a dizer-vos:

  • O vosso filho, muito provavelmente, terá alguma dificuldade de aprendizagem específica. O “síndrome da preguiça” como costume chamar é apenas um sintoma dessa dificuldade;
  • O vosso filho está em sofrimento e precisa de ajuda especializada. Uma criança com um desenvolvimento cognitivo e emocional normal, que quer aprender mas não consegue e não percebe o porquê, vai ficar revoltado, vai frustrar, vai desmotivar, vai desinteressar-se, vai desinvestir;
  • O vosso filho vai estar mais desatento, vai estar com um comportamento alterado, pois não consegue sentir prazer nas tarefas escolares, nem tirar significado do que faz e como o seu cérebro ainda está a desenvolver-se, a capacidade para saber lidar com a frustração ainda é baixa;
  • O vosso filho precisa que alguém se sente com ele e lhe explique o que se passa dentro da sua cabecinha, o que acontece no seu cérebro quando quer juntar as letras e não consegue ler. Precisa de entender para compreender e acalmar a sua frustração;
  • O vosso filho precisa de estratégias, formas e métodos diferentes de aprendizagem, que farão mais sentido ao seu cérebro;
  • O vosso filho precisa de professores e pais informados para se sentir compreendido;
  • Vocês pais precisam de alguém que vos explique o que é isto das Dificuldades de Aprendizagem;
  • Vocês pais precisam de tirar a culpa de cima de vocês.
  • Vocês pais precisam de alguém que vos oriente.

As Dificuldades de Aprendizagem na leitura (Dislexia), na escrita (Disortografia) ou no Cálculo (Discalculia), existem, são reais. E as crianças que apresentem estas dificuldades, precisam de ser avaliadas para serem, em primeiro lugar, compreendidas e de seguida, orientadas, ajudadas. A frustração e desmotivação só irão aumentar, à medida que os anos lectivos avançam.

Quantos de vocês pais, quando tiveram a idade dos vossos filhos, não tiveram colegas de escola que simplesmente não aprendiam e desistiam da escola por “serem burros”, “a escola não ser para eles”? Se calhar, vocês próprios tiveram dificuldades de aprendizagem e seguiram os estudos com muita dificuldade, sempre detestando a escola.

Não deixem que mais um ano lectivo passe. É possível reatar o gosto pela escola, pela aprendizagem, com as orientações certas!

Para avaliação psicopedagógica, visite o meu site http://www.veraoliveira.com.pt

 

 

Vera Oliveira

 

psicopedagogia

Psicomotricidade e Dificuldades de Aprendizagem

No post anterior O que os pais precisam de saber sobre a Psicomotricidade explicou-se o que era a psicomotricidade e os seus elementos principais.

Hoje irei falar sobre as principais dificuldades de aprendizagem que podem surgir quando o desenvolvimento psicomotor não decorre dentro do esperado.

A praxia é a função que permite a realização de gestos coordenados e eficazes e  resulta da integração sistémica de processos motores, processos afetivo-emocionais e também de processos cognitivos.

A noção de praxia está associada à noção de aprendizagem, de experiência, de repetição variada, de treino para ganhar automatismos e flexibilidade.

“só nos podemos tornar pianistas tocando assiduamente piano” Continue reading “Psicomotricidade e Dificuldades de Aprendizagem”

psicopedagogia

Provas de Aferição: Fontes de stress e de inutilidades

Há umas semanas, uma mãe blogger escrevia na sua rede social a perguntar se era a única a achar que não têm jeito nenhum estas provas de aferição.

Não, não é a única. E eu explico porquê.

Em Portugal o sistema educativo teve 40 reformas curriculares desde 2006, sim 40, segundo o Conselho Nacional de Educação (CNE). Dessas 40 reformas verifica-se que a adequação dos currículos em nada melhorou a condição de aprendizagem dos alunos: carga horária das maiores ao nível europeu, professores frustrados e desesperados na qual se limitam a despejar um programa interminável e alunos frustrados com dificuldades de aprendizagem e a odiarem a escola já no 1º ciclo.

Mas afinal qual o objectivo duma prova de aferição no 2º, por exemplo? Avaliar competências académicas certo. Para quê? Pergunto eu.

Este ano saíram os resultados de um estudo desenvolvido pela associação EPIS denominado “Aprender a Ler e Escrever em Portugal”, na qual o objetivo era aprofundar o conhecimento sobre o problema do insucesso escolar nos primeiros anos de escolaridade. Os resultados desse estudo, revelam que a primeira causa de repetência no 2º ano é o défice de competências de leitura dos alunos.

Sendo assim, há algo que anda muito mal neste programa curricular, a começar pela equipa de pessoas que o elaboram em que não devem ter conhecimento de causa de se processa o desenvolvimento cognitivo da criança.

Para perceberem um pouco melhor o quanto andamos errados, analisemos o fenómeno da educação na Finlândia:

Entra-se para o pré-escolar aos seis e aos sete anos de idade é que se entra para a escola, dando-se enfâse ao brincar em prol de se começar logo de forma estruturada a ensinar a ler e a escrever. Aliás, não existem disciplinas e toques de hora a hora mas sim tópicos de trabalho. Em Portugal para além da entrada obrigatória ser aos seis anos, já estamos a levar aos sete com um exame em que a leitura e escrita já têm que correr na veia com um programa extenso que não lembra a ninguém.

Na Finlândia a escola obrigatória é de nove anos e só existe um exame no fim do secundário. Curiosamente, existem poucas retenções, os resultados dos alunos e a motivação para continuarem a estudar são fenomenais. Em Portugal, a escola obrigatória é de doze anos com um sem fim de exames (para provar não sei bem o quê) e a vontade de desistir de estudar começa logo no 1º ciclo.

O que eu vejo nas crianças que acompanho e também nos professores, é cansaço, tristeza e pouca vontade de estar numa sala de aula que ainda tem o mesmo método de ensino do tempo de Salazar – crianças que têm que estar em silêncio na sua carteira enquanto o professor desesperado despeja a matéria, não podendo haver crianças distraídas ou mal comportadas pois isso é coisa para bebés e que no final do 2º ano letivo já têm que conseguir ler x palavras por minuto, senão passam a ser consideradas crianças com dificuldades de aprendizagem. Ritmos de aprendizagem diferentes? Não, não existe.

Há uns quatro/cinco anos saiu um estudo interessante feito pela Universidade do Minho (não me lembro do nome do estudo para conseguir indicar-vos a leitura do mesmo) em que os resultados eram chocantes mas que explicavam a meu ver muita coisa. Este estudo então concluía que o programa curricular do 3º ano não estava adequado ao desenvolvimento cognitivo de uma criança que frequentasse o ano (que o normal será ter oito anos), ou seja, estava (e continua a estar) acima das capacidades cognitivas duma criança de oito anos.

Isto quer dizer que hoje em dia não é preciso ser-se bom aluno, em Portugal, é preciso ser-se um super aluno com capacidades muito acima da média e com alguns poderes sobrenaturais para conseguir acompanhar o programa curricular dum 1º ciclo, por exemplo.

Para mim, estas crianças de hoje são umas heroínas, ponto final.

Este ano, o Governo dá-nos uma novidade: à antiga reforma dá-se agora o nome de “flexibilização curricular” em que propõem uma “nova” revisão curricular que mostra um cheirinho muito leve de mudanças de fundo em que 25% do currículo escolar poderá ser gerido pela escola. Ou seja, esses 25% ficam ao critério das escolas trabalhar com os alunos sem ser em forma de aula tradicional dada por um professor.

Vamos rezar para que tal aconteça. Mas isto ainda são apenas umas areias no grande deserto que são as metas curriculares portuguesas.

Valham-nos pais empenhados no amor, no afeto e no estar com os filhos nas suas dores e alegrias e valham-nos os professores, peritos em malabarismos entre dar a matéria e dar atenção às necessidades individuais de cada aluno.

Vera Oliveira