Será que o meu filho está preparado para entrar no 1º ciclo?
Esta é uma pergunta que muitos pais se colocam e, para a qual, existem uma série de condicionalismos que importa ter em atenção. Principalmente, para aqueles em que os filhos fazem os seis anos depois do 15 de Setembro.
Não é fácil encontrar uma resposta universal, que se adapte à totalidade das crianças, mas o que os estudos demonstram é que o ideal é que entrem com 6 anos já feitos e esse deve ser o princípio a seguir na maioria das situações. Aliás, nos países nórdicos, a entrada no 1º ciclo acontece só aos sete anos.
Mas vamos começar pelo que diz a Legislação Portuguesa:
“A matrícula no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico é obrigatória para as crianças que completem 6 anos de idade até 15 de setembro.
As crianças que completem os 6 anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro podem ingressar no 1.º ciclo do ensino básico se tal for requerido pelo encarregado de educação, dependendo a sua aceitação definitiva da existência de vaga nas turmas já constituídas (..)” [Despacho n.º 5048-B/2013].
Teoricamente, o que isto significa é que todos os alunos que façam anos depois de 15 de Setembro são os chamados “condicionais”. Só entram para o 1º ciclo em situações de excepção. (Se houver vaga, por exemplo)
No entanto, na prática, o que acontece na realidade, é que todos os alunos que fazem anos até 31 de Dezembro entram, salvo algumas excepções. Isto acaba por criar pressões nos pais e vai contra o que os estudos científicos demonstram, que é importante que as crianças não queimem etapas e que só avancem quando se encontram efectivamente preparadas para tal.
Nos anos 80, Steve Biddulph, desenvolve uma teoria em que defende que atrasar as crianças um ano para que iniciem a sua vida de estudante apenas após os 6 anos concluídos, será a opção mais benéfica para o aluno. Sugere que as crianças mais novas se sentem inseguras, ansiosas e inadaptadas e que retê-las por um ano, proporcionando-lhes mais um ano de brincadeira, é uma boa forma de lhes dar uma vantagem em relação aos mais velhos.
Os pais, ficam menos tensos em relação a resultados, pois estão a apostar numa criança mais confiante mais autónoma e mais madura.
Um estudo publicado pelos investigadores Thomas S. Dee e Hans Henrik Sievertsen, da Universidade de Stanford, (2015) chegou à conclusão que as crianças dinamarquesas que entram um ano mais tarde para o primeiro ciclo revelam menores índices de desconcentração e hiperactividade e, consequentemente, denunciam um maior auto-controlo.
Sabe-se, através de vários estudos, que níveis mais elevados de autocontrolo na infância são preditores de maior sucesso nas várias estratégias de resolução de problemas na idade adulta.
É importante então, desmistificar esta coisa da criança “atrasar” um ano a sua entrada no 1º ciclo.
Os alunos condicionados atrasam ou ganham?
Nunca atrasam! Só ganham! Não há pressas, neste processo de crescer. Até porque, não atrasam, não ficam retidas, não chumbam! Será uma decisão dos pais junto da educadora de infância, da criança ficar mais um ano no pré-escolar.
O que é que os Pais e Educadores de Infância devem avaliar na criança, para perceberem se a mesma está de facto preparada para essa entrada?
- Maturidade Cognitiva/Social/Emocional
Para mim, a mais importante competência a avaliar, compreendendo que, à partida, existe uma idade ótima para as aprendizagens escolares, em termos de neurodesenvolvimento: os 7 anos.
É importante observar a capacidade da criança em aspetos tão comuns como o adiar de uma recompensa (gestão do auto controlo); o conseguir esperar pela sua vez; o seguir as regras de convivência; o tolerar a frustração; e ainda a curiosidade/interesse em apreender e perceber que já não é só para brincar.
A criança ter a capacidade de aguardar, de se integrar e trabalhar e brincar em grupo, tudo isto são aspectos de maturação social e emocional muito importantes.
Aqui estão englobadas também, o raciocínio, competências sociais e auto-regulação.
2. Concentração
Umas das coisas importantes a ter em conta é a capacidade da criança em direcionar a sua atenção e manter-se focada na tarefa.
Para além disso, o estar sentada a executar uma determinada tarefa, é um pressuposto importante a considerar quando se entra no 1º ciclo.
3. Consciência Fonológica (Linguagem)
Ou seja, pensar e perceber os sons das palavras. É o que antecede a aprendizagem da leitura!
Como podemos ajudar? Soluçar uma palavra para a criança adivinhar o que estamos a pensar, dividir as palavras em sílabas com batimentos rítmicos (palmas), perceber se as palavras rimam, dizer a primeira sílaba da palavra, encontrar palavras que começam pela mesma sílaba ou o mesmo fonema, evocar palavras com uma sílaba ou um fonema… Tudo isto são exercícios que podem ser feitos em casa e na escola, de forma divertida!
4. Linguagem
A linguagem está entre os preditores mais referidos na literatura sobre dificuldades de aprendizagem. Os obstáculos na articulação, a dificuldade em discriminar sons, na nomeação e na consciência fonológica (noção dos sons da língua, sensibilidade a rimas, cantilenas etc.) resultam muitas vezes em dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.
Ainda assim, algumas situações relatadas como “troca letras a falar” ou “é muito trapalhão quando fala” podem ser transitórias e ultrapassadas quando encaminhadas para o acompanhamento de um profissional especializado.
5. Interpretação de Textos
As histórias são um importante aliado no desenvolvimento de algumas competências na criança. Desde logo a capacidade da criança desenvolver a imaginação, a compreensão do mundo e a criatividade. Mas para isso a criança terá que os interpretar, terá que perceber um texto, perceber do que fala a história, quais as personagens ou onde se localiza a acção. E não é difícil de trabalhar esta competência, se a cada história que contamos colocarmos algumas questões. Para além disso estamos a trabalhar a concentração!
6. Psicomotricidade
A motricidade fina, a par com a orientação espacial e percepção visual, são outras competências pré-académicas significativas no sucesso escolar. A noção temporal, a par com a destreza manual e noção do todo do seu corpo, são essenciais estarem adquiridos!
Quanto à matemática, é importante que a criança conte pelo menos dez objectos e que domine o raciocínio necessário para resolver problemas simples, de cabeça, como “O João tinha três berlindes. A mãe deu-lhe mais dois. Com quantos ficou?”.
As vantagens e desvantagens, de uma entrada antecipada no primeiro ciclo, associam-se directamente com o nível de desenvolvimento global da criança, com a sua maturidade global, e não especificamente com a sua idade cronológica.
Ainda assim, e para idades no limite face ao previsto na lei, e assumindo um desenvolvimento global dentro, ou acima do esperado para a idade, com aquisições diversificadas em termos de autonomia, linguagem, raciocínio, competências sociais, auto-regulação, entre outras, a possibilidade da criança poder manter o seu grupo de pares de referência, facilitando a adaptação social, é conceptualizada como uma vantagem dessa entrada antecipada.
E, para o sucesso académico, ao contrário da importância que por vezes se dá, a dimensão cognitiva / inteligência não é factor único.
Ou seja, podemos estar perante uma criança que cognitivamente se encontra ao nível dos seus amiguinhos um pouco mais velho, mas que em termos emocionais e sociais poderá não estar preparada – porque não possui estratégias de regulação comportamental, porque não possui um conjunto competências sociais desenvolvidas, porque manifesta ainda uma preferência pelo trabalho lúdico em detrimento da aprendizagem mais formal, porque é ainda muito dependente do adulto.
Devemos retirar a carga negativa à expressão normalmente utilizada de “atrasar” a entrada no 1º ciclo como se os colegas com admissão não condicional avançassem e as crianças com entrada condicional ficassem para trás. Não é verdade! Aqui não há retenções!
Trata-se, fundamentalmente, de evitar que crianças de cinco anos sejam obrigadas a crescer e a acompanhar crianças de quase sete, nos mesmos desafios de escolarização. Trata-se de respeitar o ritmo e as necessidades de faixa etária e de lhes responder de forma adequada a essas necessidades. A criança que fica mais um ano na pré-escola não fica desfavorecida em termos de competição com os colegas que não fizeram esse caminho. Na verdade, interessa é que a criança compita consigo própria, que se supere, que se torne melhor que no dia anterior e que tenha como referencial de sucesso o seu desenvolvimento pessoal e não a competição com os pares.
Os pais devem decidir sem culpas nem tendo em conta pressões sociais. Se decidir que é melhor que o seu filho fique mais um ano na pré-escola pense nos pontos positivos: as crianças têm apenas 5/6 anos para poderem exclusivamente brincar e todo o resto da vida para serem alfabetizados, escolarizados e letrados.
A educação não formal (brincar) é tão importante para o desenvolvimento emocional e cognitivo como a educação formal e absolutamente fulcral nos primeiros anos de vida.
O mais importante é respeitar não o tempo do calendário lectivo mas sim o tempo da criança.
Vera Oliveira